Saturday, October 1, 2011

To Caetano Rodrigues with Love....



Conheça o carioca que possui a maior coleção de bossa nova do mundo
RUY CASTRO

O que significa você gostar muito de uma coisa –bossa nova, por exemplo– e sonhar que, um dia, terá TUDO o que se produziu a respeito? No caso, os discos gravados por João Gilberto, Tom Jobim, Carlos Lyra, Sylvia Telles, Nara Leão, Roberto Menescal e tantos outros há 50 anos, quando Ipanema era apenas uma praia carioca, não um “landmark” mundial, e suas garotas, privilégio dos nativos. Bem, não é tão difícil –esses discos clássicos ainda podem ser encontrados em muitos sebos do Rio e de São Paulo.

Um pouco mais difícil é encontrar os discos dos pioneiros que, há quase 60 anos, já faziam uma bossa nova antes da própria bossa nova –Dick Farney, Lucio Alves, Johnny Alf, Doris Monteiro, Dolores Duran, Maysa. Mas também não é impossível. Duro mesmo é achar os discos dos brasileiros e americanos menos famosos que se dedicaram à bossa nova, e que gravaram em selos pequenos e obscuros, no Brasil e nos EUA, quase todos desaparecidos há muito tempo. Note bem, não estamos falando de CDs, mas dos discos originais: os LPs, os vinis, as bolachas pretas –objetos com meio século de vida ou mais.

Imagine agora o que significa ter tudo isso em casa, em cópias reluzentes, sem um estalo ou arranhão, tanto os discos quanto as capas –estas envoltas em translúcidos plásticos de 2010, com gramatura 18 (a única modernidade aceita na coleção). Por fim, enfileire essas preciosidades em estantes que vão do chão ao teto e você terá um fascinante capítulo da música popular brasileira –e internacional– ao alcance da agulha do seu toca-discos.

Caetano Augusto Rodrigues, estatístico com formação em engenharia rodoviária, carioca da Urca, 75 anos, dos quais os últimos 30 em São Paulo, tinha tudo isso em seu apartamento no bairro do Paraíso. É, provavelmente, a maior coleção particular de bossa nova do mundo: cerca de 1.600 discos em primeira edição, sendo mais da metade em LPs da época, e o que foi depois já produzido em CD (mas muitos desses esgotados ou fora de catálogo há anos). A coleção serviu de base em 2006 para o livraço “Bossa Nova e Outras Bossas – A Arte e o Design das Capas dos LPs”, um “coffee-table” com 312 páginas, assinado por Caetano e pelo músico e pesquisador Charles Gavin.

O livro, patrocinado pela Petrobrás, teve tiragem limitada e não pôde ser vendido comercialmente, única maneira de driblar a impossibilidade de localizar e pagar direitos autorais aos profissionais responsáveis pelas capas. Se dependesse de Caetano, ele estaria nas mãos de cada apaixonado pelo gênero. Como não é possível, o jeito é procurá-lo nas melhores bibliotecas.

Para reunir sua coleção, Caetano contou certa vez que levou quase o tempo de uma vida –desde que comprou seu primeiro disco (um humilde 78 r.p.m.), aos nove anos, numa loja do centro do Rio, muito antes que se falasse em bossa nova. No começo dos anos 1950, ele conheceu um músico jovem e ultra-moderno, o gaitista Mauricio Einhorn, futuro co-autor de “Estamos Aí”. Em 1955, levado por Mauricio, Caetano mal tinha tempo para dormir: todas as noites, às 3h, ia ouvir o fabuloso Johnny Alf na boate Plaza, em Copacabana –e, quando Johnny se mudou para São Paulo, Luizinho Eça, Ed Lincoln, Milton Banana e outros o sucederam na pequena boate. Ninguém sabia, mas era a bossa nova em trabalho de parto.

TESTEMUNHA

No Rio, as divindades roçam cotovelos com os mortais comuns, e foi assim que, em pouco tempo, trabalhando na TV Rio como assistente de câmara, Caetano vivia às voltas com Luiz Bonfá, Tito Madi, Sylvinha Telles, Vinicius de Moraes, Antonio Maria. Quando se falou em bossa nova pela primeira vez, em 1958, dentro do apartamento de Nara Leão, Caetano já era íntimo daquela música, só não sabia o nome. Aliás, ninguém sabia –as massas ainda não tinham se dado conta de que aquilo “era bossa nova, era muito natural”.

Mas, não demoraria muito, a bossa nova se tornaria uma marca da modernidade, tanto no Brasil quanto nos EUA, que a descobriu e se apaixonou por ela. Dali, a partir de 1960, começaram a sair discos e mais discos “de bossa nova” –embora alguns só contivessem bossa nova no título. Esses LPs, hoje muito difíceis de achar, tornaram-se “itens de colecionador” e foram todos encontrados por Caetano, que os disputou, um a um, com colecionadores internacionais.

Outros ele comprou na época em que saíram, nos anos 1960, ao fim dos shows nas minúsculas boates do Beco das Garrafas, como o do lendário baterista Edison Machado. E esse é um privilégio que ninguém tira de Caetano: ele viu todos aqueles gênios em ação, comprou seus discos, ganhou seus autógrafos e, de vários, ficou amigo.

Uma coleção não se compõe apenas de objetos raros mas também da história que cercou a aquisição de cada um. Daí que esses discos podem ter preço –e Caetano dizia que gastou com eles o equivalente a um ou dois apartamentos no bairro do Paraíso. Mas, mais caras ainda, foram as memórias maravilhosas –essas, sim, impossíveis de calcular– que ele guardou enquanto completava a coleção.

Sim, ele a considerava completa. Só não podia adivinhar que, logo depois de fechar a coleção, sua vida também estaria completa. Caetano Rodrigues morreu no dia 13 último, no Incor, em São Paulo, depois de rapidíssima doença.

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